segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Virtualmente acéfalos


Basta recuar 10 anos para perceber o que mudou. Em 2004, quantos de nós, sentados numa esplanada, pegava no telemóvel e ligava a 150 amigos e conhecidos só para os avisar que naquele momento estava sentado numa esplanada? Ou só para lhes dizer que quando saiu de casa, pela fresquinha, estava a chover? Ou para dizer que estava a comer um peixe grelhado? Ou para lhes dizer que estava naquele momento a contemplar os seus pés? Ou ainda para lhes contar com todo o detalhe que o petiz estava a gatafunhar um papel com marcadores? Ou para lhes dizer, com entoação profunda, que “a vida é como um estrada e mais não sei o quê”? Ou para…acho que já perceberam a ideia.  
A verdade é que, actualmente é exactamente isto que acontece, chamem-lhe o que quiserem, redes sociais ou outra porcaria qualquer, mas é isto que fazemos, partilhamos toneladas de “informação” privada, que há bem pouco tempo, morreria ali, ou seria oralmente transmitida a uma ou outra pessoa numa conversa absolutamente banal e descomprometida, informação esta que não era anunciada pela simples razão de não ter interesse absolutamente nenhum.
         A malta que tinha 10 anos em 2004 (por exemplo) tem hoje 20 e um smartphone xpto que usa sem o mínimo pudor, segundo a premissa “quem não aparece, não existe”, então existe este esforço para aparecer e parecer. As pessoas sentem-se sós, deprimidas e/ou carentes? Eu Juntaria apenas a palavra “idiotas” e penso que teríamos uma mistura muito aproximada da realidade actual. Existe malta com piada, malta com interesse, que faz coisas, que pensa coisas e que vai a sítios interessantes, mas é claramente a minoria. Um casal que vai passar um fim-de-semana à Madeira e publica 25 fotos, tem de ser forçosamente um casal de idiotas. 
O simples acto de na segunda-feira, à mesa do café, poder confidenciar a outra pessoa, o que lhe aconteceu, onde foi, o que ficou a conhecer, o que correu bem ou mal, o que recomenda ou apenas falar de um fim-de-semana em que não aconteceu nada, uma pasmaceira, desapareceu, deixou de fazer sentido. Ao invés disso, a ida ao café, o parque, a lareira, o raio do lombo de porco no formo (com a legenda: “são servidos”), a distancia que correu e onde foi jantar, já são do conhecimento de todos. Até as pessoas de quem sentíamos saudade, porque já há uns tempos que não estávamos juntos, passam a estar artificialmente presentes, já que mesmo sem estarmos juntos, vamos sabendo quase tudo o que se vai passando nas suas vidas.
Tenho pena que as coisas estejam assim, tenho pena que nos vamos entretendo com a virtualização e banalização das nossas vidas e dos nossos sentimentos. Quão estúpidos ficámos, ao ponto de se publicarem milhões de selfies after sex? Parvos da merda!  


2 comentários:

  1. Tanto desprezo pelas redes sociais! Concordo que há coisas muito parvas, mas partilhar fotos de coisas de que gostamos e queremos partilhar com outros (especialmente com aqueles que não vamos ver tão cedo, ou que nem moram no mesmo país que nós) não é totalmente parvo e as redes sociais servem também como forma de partilhar informações e experiências (é preciso é conseguir separar o bom do menos bom). Gostei deste cantinho. Vou continuar a acompanhar. ;) Beijinho

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    1. Nada tenho contra as redes sociais, até porque as uso, apenas contra o mau uso. Temos amigos distantes, ou não, com quem queremos partilhar coisas, podemos usar as mensagens privadas, criar grupos, conversas de grupo, etc... Devemos, digo eu, manter recatada e exclusiva a nossa privacidade e a dos que estimamos, sob pena de criar até uma certa erosão na nossa própria identidade. Tenho dúvidas que uma ida a um restaurante, que até pode interessar a 2 ou 3 amigos, interesse aos outros 357, por exemplo. Obrigado pela visita, volta sempre que queiras, serás sempre bem vinda.

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